segunda-feira, 1 de fevereiro de 2010

A cidade da Républica

É com enorme prazer que comemoro o primeiro aniversário do meu blog, com a minha cidade das sombras no centro das atenções. Que outra forma melhor haveria?

Este fim de semana, no Porto, reinou a agitação. Motivo: a abertura das comemorações do primeiro centenário da Républica portuguesa com a evocação dos acontecimentos de 31 de Janeiro de 1891 .Eu sei que nao faz 100 anos sobre esta data, mas ela está indissoluvelmente ligada à República, pelo que não podia deixar de ser celebrada em conjunto com ela.
Como cidadã activa e particpativa, replublicana (sim, admito que mais por hábito do que por convicção) mas acima de tudo como portuense convicta decidi empenhar-me a sério nesta comemoração. Mas antes de falar sobre a festa propriamente dita, fica aqui um pequeno resumo dos acontecimentos que agora se celebram....só para os mais distraídos!

Na madrugada do último dia de Janeiro de 1981, um ano após o Ultimato Inglês, um grupo de soldados dirigidos por sargentos marcharam pela cidade em direcção ao então Campo de Sto.Ovídeo, actual Praça da Républica. Aí juntou-se-lhes um outro grupo liderado pelo Alferes Malheiro e, juntos, desceram pela Rua do Almada em direcção à câmara municipal que se situava mais ou menos onde hoje é a Praça da Liberdade. Pelo caminho, uma multidão de portuenses juntou-lhes em romaria, aplaudindo e incitando-os, oferecenho-lhes água e comida e colocando colchas brancas nas janelas.
Da varanda da câmara municipal (o edifício já não existe, mas as suas famosas varandas foram mantidas pela cidade e tranferidas para os jardins do Palácio de Cristal e ainda lá estão oferecendo um excelente local para namoro e fotografias, estou certa, teresinha?) Alves da Veiga procalmaou pela primeira vez a Républica no nosso país e, terminado o seu discurso de improviso, o sargento Abílio gritou "Viva a Répública!" sendo imitado pela multidão.
Depois o numeroso grupo começou a subir a Rua de Sto. António (31 de Janeiro desde o 25 de Abril), tendo como objectivo tomar os correios e o telégrafo da Praça da Batalha. Mas na escadaria da igreja de Sto. Idelfonso aguardava-os um destacamento da Guarda Munincipal que não se coibiu de abrir fogo sobre a multidão. Em minutos a rua ficou coberta de mortos e de feridos. Algumas balas dos revoltosos deixaram mesmo marcas nas paredes da igreja, acho que ainda lá estão, à esperda de serem vistas. Entedem agora de onde surgiu a conhecida expressão nortenha " Armar um trinta e um"?
Bom, dezenas de pessoas foram detidas e levadas para julgamento num barco atracado ao largo de Matosinhos pois as autoridades temiam um levantamento em massa da população da cidade.

Falhanço ou não, certo é que o Porto foi a primeira cidade republicana do país e o primeiro lugar onde se tocou "A Portuguesa", por favor lembrem-se disto quando no Mundial de 2010 ouvirem tocar nosso hino! Malhas que o império tece, a "sargentada" ficou esquecida na história cabendo a Lisboa todas as honras da Implantação da Républica, embora só o tivesse feito quase 20 anos depois de nós.

As comemorações começaram no final da tarde de dia 30. Descemos à Av. dos Aliados e aí ofereceram-nos um panfleto com a programação oficial, e, porque estamos no Porto, uma capa de plástico para nos protegermos da eventual chuvada! XD
A reconstituição dos acontecimentos estava marcada para as 18.30 mas só começou meia hora depois, valeu nos a música Celta enquanto esperámos.
Da Rua do Almada surge então uma multidão de soldados e gente vestida à época, ouve-se o hino e da varanda do edifício do Banco de Portugal, o conhecido actor portuense António Reis proclamou a República. Tão concentrado que estava no espírito da época, esqueceu-se de que em 2010 existem microfones e numa pausa do discurso deixou fugir um carismático " Tira a bandeira da minha frente cara**" para o actor que estava ao seu lado" .
Findo o discurso gritou-se "Viva a Républica!",os portuenses de hoje aplaudiram e no céu rebentaram foguetes e fogo de artifício que fizeram levantar as aves da avenida.
Depois os soldados prefilaram-se e "dispararam" uns quantos tiros, a multidão de 2010 afastou-se para deixar passar os cavalos da GNR que vinham da 31 de Janeiro substituindo a Guarda Municipal da época. As pessoas rodearam os dois grupos, deu-se o confronto, ali mesmo frente ao Banco, foi disparado um canhão também ele oitocentista e no fim, restaram no chão vários corpos representantdo os mortos e os feridos da revolta (felizmente estes levantaram-se pouco depois). Foi quase tão improvisado como a própria revolução mas por isso mesmo genuíno...valeu a pena. Quem viu nunca mais esquece!

Depois do jantar, rumámos ao coliseu onde quatro consagradas vozes portuenses: Rui Veloso, Sérgio Godinho ,Rui Reininho e Pedro Abrunhosa se juntaram num concerto único e irrepetível!
Haveria muito a dizer mas fica no segredo só posso dizer que me arrepiei de ouvir a sala inteira entoar a "Pronúncia do Norte" num dueto Reininho/ Abrunhosa, bem melhor que o original e que quase me vieram as lágrimas aos olhos com o "Porto Sentido" que aliás foi o texto com que abri este blog, há um ano atrás.

A manhã de 31 ficou reservada às cerimónias de Estado e, por isso descemos de novo à avenida. Foi hasteada a bandeira, ouviu-se o hino e, passando a parada militar à frente que, por motivos pessoais detesto, restaram os discursos das individualidades.
O primeiro a falar foi o Dr. Artur Santos Silva, presidente da Comissão para a Comemoração do Centenário da República, ilustre portuense originário de uma família impecável de republicanos e homens de Estado. Foi um discurso intenso, carregado de valores onde a história da cidade se cruzou com a da sua própria família. Não estivesse já de pé e ter me ia levantado para aplaudir este senhor, nobre e digno socialista (uma raridade nos dias que correm!)
Veio depois o sr. 1º ministro José Socrates, que não se livrou de umas vaias antes de começar a falar. Um discurso pacífico e unificador admito, mas um tanto ao quanto vazio de conteúdo. Além disso sobram críticas: era uma cerimónia, não um comício,por isso era dispensável o tom de campanha eleitoral e foi uma pena só se ter lembrado das virtudes dos portuenses no final do discurso. Mas recordarei para sempre as suas palavras, Sr. 1º ministro "O Porto foi e continua a ser um grande símbolo de liberdade." Garanto-lhe que tudo farei para as manter verdadeiras ....mesmo que seja contra a sua vontade!
Por fim, o Sr. Presidente da República encerrou a pompa,com um discurso semelhante mas mais valorativo e sem dúvida com uma forma muito mais elaborada, onde abundavam as citações de homens ilustres da 1ª República. Foi um pouco entediante, mas valeu a pena vê-lo quebrar todas as regras do protocolo (quem trabalha nestas coisas sabe a dor de cabeça que é!!!) e avançar a pé avenida fora para a Câmara cumprimentando com apertos de mão todos os que lhe apareceram no caminho. Grande carácter, sem dúvida!

De tarde ainda houve abertura de uma exposição fotográfica sobre a resistência republicana no período da ditadura no Centro Português de Fotografia na antiga Cadeia da Relação, na Cordoaria. Mas essa fica para o próximo fim de semana que tanta actividade cultural ainda faz mal ao cérebro!

E à noite ainda podíamos ir ao Ateneu Comercial a uma conferência com ao Grão- Mestre da Maçonaria, porque a organização e a República estão indissoluvelmente ligadas (aliás, lamento desiludir os mais crédulos mas o verde e vermelho da nossa bandeira nada têm a ver com o sangue derramado dos nossos antepassados e com os campos verdejantes de Portugal, como vos ensinaram na escola, são antes as cores da Maçonaria). Mas como ia dizer, eu, por mim fujo de tudo o que seja secreto. E o melhor mesmo é ir para casa que esta República toda já me está a dar fome!

2 comentários:

  1. Duas coisas: lamento imenso ter perdido esse concerto, mas cá em casa somos um bocado politicamente desligados (veja-se por este espécime que te escreve)e apesar de ter ouvido falar do concerto não foi o suficiente para mobilizar a família; segunda coisa: é exactamente por isto que eu acho que o Porto deveria ser a capital, mas ninguém me ouve!

    E pronto, foi isto! Acho que foi um texto informativo bastante interessante, apesar de sentir aí um súbtil tom anti-socrático, mas não vamos discutir política :D

    Beijos ***

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  2. Também adorei o fim de semana republicano. E eu nem sou nada, nada dado a essas coisas! :) Aliás acho que aquele comentário do "mais por hábito do que por convicção" era dirigido a agradar à minha pessoa.
    Bom,admito que fui arrastado mas gostei. A reconstituição foi assim um bocado tosca mas pelo menos foi algo de inédito. O concerto foi fantástico, também outra coisa não se podia esperar deles. Pode dizer-se que foi quase...sobrenatural.
    Gostei do elogio ao Santos Silva. Efectivamente é um grande homem,viu-se pela atitude que teve quando saiu da 2001 e alertou toda a gente para o buraco financeiro e para a desgraça que aquilo se ia tornar.Pena que não tenham ouvido.
    Quanto ao Sócrates, eu se fosse ele, começava a ter medo de ti! Ele é que não te conhece, senão já tinha contratado mais seguranças de certeza! :)
    Mas o que eu mais gostei foi da tua conclusao: "A república dá-me fome!" fico contente de saber que é tudo o que tens a dizer. Eu acrescento "a mim dá-me dor de barriga!" :)
    Estava a brincar! Agora mais a sério, apercio muito o teu estilo de escrita mas sobretudo o teu interesse pelas coisas e a capacidade de investigar antes de escrever asneirada. Acho que vais chegar muito longe! Ainda vou ver os teus olhos cor do céu na televisão muitas vezes!
    J t'adore

    PS- Pareço menos uma rapariga, agora?

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